A maioria dos idosos que estão amparados na Fundação Abrigo Bom Jesus, em Cuiabá, é vítima de abandono de familiares e amigos. De acordo com a administração, só no último semestre do ano passado foram acolhidas cinco pessoas abandonadas em hospitais da Capital.
A parte mais triste do idoso que vem parar no abrigo não é o fato de estar aqui, mas de perder o contato com as pessoas que tinha lá fora
A fundação é o único abrigo filantrópico de Mato Grosso, que não possui nenhuma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI) pública. Dessa forma, o local é a única possibilidade para idosos que não conseguem pagar para serem acolhidos na terceira idade.
De acordo com o gestor Emerson Cassio Fernandes dos Santos, grande parte dos idosos não recebem visitas
“A maioria não recebe visitas, são pessoas que tiveram seus laços familiares, de amizade, cortados ao longo do tempo. Tem uma parcela que recebe visitas de parentes, de sobrinhos, de primos, até de filhos, mas é aquém do que a gente gostaria”, disse.
“A parte mais triste do idoso que vem parar no abrigo não é o fato de estar aqui, mas de perder o contato com as pessoas que tinha lá fora”, afirmou.
Todos os idosos atendidos pela fundação fazem parte de algum grupo de vulnerabilidade, seja social, financeira ou familiar. São pessoas que não possuem ninguém para auxiliá-las e cuidá-las do lado de fora.
O idoso Valdivino Souza dos Santos, de 83 anos, está no abrigo há cerca de seis anos e nunca recebeu a visita de nenhum dos quatro filhos, que moram em outros estados.
“Sinto falta deles, porque pai é pai e filho é filho, mas fazer o quê? Um pensa de um lado e outro de outro, a vida é assim mesmo”, afirmou.
Ele trabalhava como boiadeiro na fazenda de um político no interior de Mato Grosso, mas veio para a Capital fazer um tratamento de vista.
Durante a visita, passou por um tiroteio que acontecia em frente a um mercado e foi baleado na perna. Com o ferimento, Valdivino perdeu a força e deixou de andar. Como não podia mais trabalhar e não tinha nenhum familiar para auxiliá-lo, foi acolhido no abrigo.
Apesar de não conseguir mais trabalhar como gostaria, Valdivino gosta de se manter ativo e aproveita diversas atividades oferecidas pelo abrigo. Ele já consegue até andar com a ajuda de um andador.
“Aqui a gente vai na piscina, faço fisioterapia em uma sala. Tenho tempo, tenho psicólogos, tenho tudo. O nosso cuidador cuida da gente direito”, disse.
Já o idoso Leandro Alberto, de 66 anos, está há um ano no Bom Jesus. Ele teve tuberculose e parou de andar. Decidiu, então, sair da casa que dividia com um amigo por se sentir um peso para as pessoas ao redor.
“Onde estava eu sentia como se fosse uma carga pesada. Aí falei: ‘Lá no abrigo vai ser bem melhor’. E antes tivesse pensado assim há mais tempo, porque quando a gente pega uma amizade aqui, pode ter certeza que é uma amizade verdadeira. Porque eu não tenho nada para oferecer. O que tenho para oferecer é a minha amizade”, afirmou.
Leandro também não costuma receber visitas e passa o dia pintando com a amiga, Lurdes Bielski, de 64 anos. Ele descobriu no abrigo sua paixão pela pintura, e passa a maior parte do seu dia fazendo isso ou bordando.
Durante a visita do cantor Gusttavo Lima ao abrigo, no dia 22 de março, Leandro mostrou seus quadros e até o presenteou com um deles, o que virou motivo de orgulho. Agora, o idoso brinca que também é famoso.
A sua companheira de pintura, Lurdes, também ama a prática e prefere pintar belezas naturais, levando alegria aos desenhos.
Ela sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) há quatro anos, que prejudicou os movimentos. Apesar de ter melhorado aos poucos, apenas para levantar da cama a idosa precisava pagar entre R$ 100 e R$ 200 a um vizinho, o que ficou inviável, já que não conseguia realizar várias funções básicas do dia a dia.
A idosa está no abrigo há cerca de nove meses e recebe a visita de uma dos 20 sobrinhos de dois em dois meses, de acordo com ela, o que é a sua alegria.
Lurdes era proprietária de uma distribuidora da Capital antes de sofrer o AVC. Adorava conversar e sair com amigos, mas após chegar ao asilo perdeu o contato com todos, que nunca a visitaram.
O gestor do abrigo disse que mesmo os idosos que não possuem problemas psicológicos como alzheimer, bipolaridade e esquecimento, precisam de atendimento por conta da solidão que sentem.
A Fundação conta com uma equipe multidisciplinar que envolve psicólogos e psicanalistas, assistentes sociais, médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeura e nutricionista para atender as necessidades dos idosos.
Emerson também explicou que a maioria dos que chegam ao abrigo já com aposentadoria ou algum benefício possui vários empréstimos consignados em seu nome, realizados por familiares ou pessoas próximas que os exploram.
Ainda, em muitas situações, a partir do momento que o idoso deixa de trabalhar e contribuir financeiramente com a família, são abandonados.
Segundo Emerson, a fim de melhorar a estadia dos idosos, a administração busca fugir da ideia de internação, desenvolvendo diversos passeios externos e levando-os a participarem de projetos e atividades de lazer na cidade.
Todos os idosos fazem atividades externas de acordo com as suas próprias preferências. Elas envolvem passeios culturais, em shoppings, museus, equoterapia e outras de acordo com as possibilidades que surgem. “A gente tenta, ao máximo possível, levar eles para fora dos muros da instituição para quebrar essa questão de internação”, disse.
Custos
A Instituição se mantém com apoio de doações, como da Prefeitura de Cuiabá, que envia pessoas por meio do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), por emendas parlamentares e de editais de ações sociais de empresas privadas.
O abrigo hoje recebe 95 idosos – com previsão de receber até 130 após reformas que seguem pelos próximos dois anos. Ocorre que outros 54 ainda esperam na fila do Cras para serem acolhidos pela instituição, que atualmente está lotada.

O Poder Público, de maneira geral, precisa ter mais políticas públicas voltadas para a pessoa idosa
O custo médio de cada idoso é entre R$4,5 mil a R$5 mil, o que chega a R$ 500 mil ao mês. Além disso, a fundação emprega 75 funcionários com carteira assinada, entre cuidadores, equipe multidisciplinar, cozinheiros e auxiliares, lavanderia e administração.
Esperança
Todos os idosos entrevistados pelo MidiaNews desejam melhorar e voltar ao trabalho e a maioria vê sua passagem pelo abrigo como passageira, esperando voltar a ser independentes.
Além disso, muitos deles tentam se manter ativos e praticar atividades diversas, aproveitando as possibilidades oferecidas no abrigo.
Emerson ainda destacou a necessidade de políticas públicas, reconhecimento e apoio social aos idosos, que são um grupo vulnerável na sociedade.
“A gente gostaria de pontuar que o Poder Público, de maneira geral, precisa ter mais políticas públicas voltadas para a pessoa idosa”, completou.