Search
Close this search box.

Tributo a um mestre centenário

Poucas vezes nos é dado, ainda que de longe, comemorar o natalício de uma pessoa que chega ao centenário de vida. Menos ainda de alguém que nos foi tão próximo e pelo qual se nutre justa admiração. Este, sobre o qual nesta data [19 de abril], é digno de lembrança é superlativo em ambos os casos: o da longevidade e o do reconhecimento. Refiro-me a esta figura imensa que, há exatos 105 anos, atende pelo nome de João Antônio Neto.

 

Que não é um só: é múltiplo, são diversos. Nessa figura esguia, de porte altaneiro, de reconhecida fidalguia, conjugam-se o intelectual, o professor, o jurista, o pesquisador, o poeta. Mas aqui está alguém a sobre ele falar que dele conhecia antes de o conhecer.

 

Relembro-me, mal chegado aos 14 anos, conversa em Guiratinga com Raimundo Maranhão Ayres, amigo de longa data de meu pai, colegas que eram da FBC, e figura marcante da cultura centro-oestina que lá residia desde 1945 e que convivera com o jovem advogado João Antônio, membro da respeitada família Antunes, filho de “seu” Pedro e de Da. Inezila, vindos de Couto de Magalhães [Goiás, hoje Tocantins]. Sobre ele se referia com estima e admiração, falando sobre a sua cultura, inteligência e retidão de caráter.

 

Ao depois, quem dele me disse com idêntica admiração, foi um obstinado militante político, um dos fundadores do corajoso Movimento Democrático Brasileiro, organizado em Mato Grosso sob a batuta do bravo Senador petebista Vicente Bezerra Neto. Natalino Antunes, seu irmão, de quem me tornaria também amigo. 

 

Muitos anos então se passaram e, em 1985, dele tive o apoio entusiástico e recebi o voto consagrador para me tornar um dos mais jovens membros da história da Academia Mato-Grossense de Letras. A oração de recepção por ele proferida foi de uma eloquente generosidade pela qual serei para sempre grato. Três anos depois, como presidente da Fundação Cultural de Mato Grosso, publiquei seu livro ‘Silhuetas & [in] significâncias’, numa coleção em que estavam outros representativos nomes da poesia neste Estado: Ricardo Guilherme Dick [com seu primeiro livro de poemas], Silva Freire, Ronaldo de Castro [seu único livro publicado], Pedro Casaldáliga.

 

Sobre o perfil plurifacetado de João Antônio Neto, em que se torna difícil distingui-lo pelo ângulo que mais o destaca, vem sendo escrito e relatado. Sobre o jurista, juiz e desembargador, seus colegas de magistratura o recordam sempre com justa admiração; sobre o professor e pesquisador de Direito seus inúmeros alunos dele se lembram com elevado reconhecimento; sobre a sua presença marcante no convívio social da cuiabania os mais antigos a ele se referem com o respeito da amizade.

 

Premido pelo curto espaço de que aqui me é permitido, devo falar sobre o literato, sobre o poeta.

 

Premido pelo curto espaço de que aqui me é permitido, devo falar sobre o literato, sobre o poeta

Em livro que publiquei há 22 anos, “A Poesia em Mato Grosso – Um percurso histórico de dois séculos”, no qual realizo um esboço crítico da poesia aqui realizada desde fins do século XVIII, iniciando com o Romantismo, passando pelo Parnasianismo e pelo Simbolismo, e chegando ao século XX com o Modernismo, aponto a atuação de nosso poeta. Nesse contexto dos anos quarenta e cinquenta, em que já publicara ‘Vozes do Coração’ (1941) e ‘Três Gerações’ (1949), e que foi grandemente produtivo para a cultura literária de nosso Estado, ele surge também como agitador cultural.

 

Com Rubens de Castro e Agenor Ferreira Leão fazem circular a revista ‘Ganga’. Escrevem artigos, geram polêmicas, contribuem para movimentar o cenário intelectual da época. E João Antônio é autor de um audacioso artigo no qual comemora a chegada ao mundo das letras daquele que iria se tornar um dos grandes poetas de Mato Grosso, o jovem corumbaense Lobivar Matos.

 

Então escrevi sobre ele: “João Antônio Neto é uma das figuras mais interessantes de nosso mundo cultural e transbordando seu saber nos vários campos da literatura se dedica a um fazer poético que leva à reflexão, que conduz a uma insuspeita autoironia, que filosofa em torno das misérias e grandezas da existência humana, sempre com uma verve inquieta e pontiaguda. Em ‘Remanso’, de 1982, não pretendeu, talvez, ensaiar uma autodefinição de sua função de poeta?

 

[“Somente rindo, fazer rir, me cabe / Por isso, toda gente nunca sabe / quando estou rindo ou quando estou chorando.]. Em ‘Silhuetas & [in] significâncias’ […] ele nos traz poemas sintéticos, quase digo micro poemas, afiados como lâminas, irônicos e cortantes na melhor tradição de Matos Guerra. […]. Provocador, inquieto e irreverente, Antônio Neto elabora uma obra ao mesmo tempo sensível e reflexiva ao modo de Cioran. Não há como deixar de situar este poeta como estando entre os melhores que neste Estado já se aventuraram no reino da poesia e, seguramente, oxalá, ainda o veremos colocados entre os melhores do país, na atualidade.”

 

Desde a minha posse na Cadeira 40, e por mais de vinte anos, em pelo menos uma vez por mês, com ele convivi nas reuniões da AML. Com ele muito aprendi não apenas as coisas do saber, como igualmente as lições do viver. A ele me posso referir como mestre.

 

O destino me propiciou a sorte em ter duas grandes figuras longevas como membros da Academia Mato-Grossense de Letras na mesma época em que nela adentrei. Ambos com grande empatia, com os quais pude desfrutar de admiradora amizade. A outra, foi uma das maiores personalidades femininas da História de Mato Grosso, igualmente extremamente lúcida: a poeta e cronista Maria de Arruda Müller [9/12/1898 – 4/12/2003] sobre quem, mais uma vez, irei fazer registro. João Antônio Neto [1920], é campeão em uma vida rica em sabedoria, pródiga em realizações, vasta generosidade. É um centenário que, num raro feito, atravessou dois séculos de existência e se tornou coetâneo e ainda mais antigo que as duas instituições mais tradicionais de Mato Grosso: o Instituto Histórico [1919] e a Academia Mato-Grossense de Letras [1921].

 

A ele posso me referir no sentido mais adequado, lato, da palavra: é um mestre. Termo este que se vulgarizou, mas cujo significado o faço aqui inserir no contexto em que teve origem: o de magister, mestre, maestro, aquele que simultaneamente reúne conhecimento e sabedoria. Já sabemos que nem todos que muito conhecem têm sabedoria, esta é ancestral e ampla, aquele é atual e particularizado. Dele posso dizer que, nos passa a lição, tão bem expressa por Lúcio Aneu Sêneca [cerca de 4 a.C. – Roma, 65]: “O mais importante não é quanto tempo você viveu, mas quão bem você viveu”. Longa vida a João Antônio Neto.

 

Sebastião Carlos é advogado e professor.

Clique aqui para acessar a Fonte da Notícia

VEJA MAIS

Dr. Kalil e neurologista discutem o que a ciência sabe sobre o Parkinson

O Parkinson, segunda doença neurodegenerativa mais prevalente no mundo, afeta mais de 10 milhões de…

Encontro de gigantes! Maratona de Londres reúne elite de respeito

Os olhares do mundo da corrida estarão totalmente voltados para a Maratona de Londres, neste…

Boquinha federal…

O agora ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto havia emplacado uma amiga no gabinete do presidente…