Renan Treglia tinha 16 anos quando começou a notar mudanças em seu corpo. Ele não conseguia, por exemplo, carregar uma garrafa da cozinha até seu quarto ou segurar uma bandeja em uma praça de alimentação sem derrubar o líquido contido no copo. Pouco tempo depois, começou a perder o equilíbrio das pernas.
Diante dos sintomas, procurou um médico, que o indicou para fisioterapia. Mesmo assim, já na faculdade, onde fazia um curso para ser piloto de avião, começou a ter dificuldades motoras e não conseguia realizar, com precisão, tarefas em um simulador. Tempos depois, sua fala começou a ficar “enrolada” e mais lenta.
Foi assim que ele começou uma verdadeira saga para descobrir a causa dos seus sintomas. Primeiro, uma consulta ao neurologista, que solicitou vários exames e, ao não conseguir detectar a origem do problema, o encaminhou para um ortopedista. O profissional também não conseguiu descobrir o que afetava Renan. Voltaram para outro neurologista.
No total, foi necessário consultar 36 médicos para Renan receber o diagnóstico correto: ataxia de Friedreich, uma doença rara neurodegenerativa que reduz a coordenação muscular e motora de forma progressiva, além de diminuir a expectativa de vida.
Por ser rara, informações atualizadas sobre sua epidemiologia são escassas, mas, de acordo com os registros da Friedreich’s Ataxia Research Alliance (FARA), a doença pode atingir um em cada 50 mil indivíduos — afetando aproximadamente 15.000 pessoas no mundo, sendo que a estimativa é de que o Brasil apresente a segunda maior população de pacientes.
Entenda o que é ataxia de Friedreich
A ataxia de Friedreich é um distúrbio neuromuscular genético que causa danos progressivos ao sistema nervoso. Os primeiros sintomas incluem tropeços e quedas frequentes, falta de equilíbrio, dificuldade para caminhar e problemas de fala, e costumam aparecer entre a infância e a adolescência.
A doença é causada por uma mutação no gene FXN, que codifica uma proteína chamada frataxina. Tal alteração genética impede o corpo de produzir quantidades suficientes de frataxina, resultando no acúmulo de ferro nas células e estresse oxidativo, o que leva à neurodegeneração. A doença gera danos às células do cérebro, da medula espinhal e dos nervos periféricos, assim como ao coração e pâncreas.
Por isso, pessoas que vivem com ataxia de Friedreich têm mais chances de desenvolver doenças cardíacas e diabetes, além de apresentarem uma expectativa de vida mais baixa, de até 37 anos.
Demora no diagnóstico de doenças raras impacta autoestima e qualidade de vida
O caso de Renan, hoje com 24 anos, não é uma exceção. Por serem pouco conhecidas, com incidência baixa e pouco estudadas, doenças raras podem levar anos para serem diagnosticadas corretamente. Além do maior risco da condição progredir, a demora também pode trazer consequências para a saúde mental e qualidade de vida.
“Eu comecei a ter um pouco de vergonha de frequentar a faculdade. Por conta do meu desequilíbrio, eu não conseguia andar muito bem. Pegar o transporte público começou a ficar perigoso para mim. Então, eu resolvi parar [de estudar]”, conta Renan à CNN.
A saga em busca do diagnóstico para sua condição gerou ansiedade no jovem, que também desenvolveu depressão. “Eu passava a noite chorando e precisei passar em um psiquiatra. Eu faço tratamento até hoje”, conta. Com o diagnóstico confirmado, a ansiedade piorou. “Eu pensei: ‘E agora? O que eu vou fazer?’. É uma doença que não existia medicamento na época”, relata.
A angústia sentida por Renan foi transferida para seus pais, que também desenvolveram depressão. “Havia vezes em que eu acordava para ir ao banheiro à noite e eles estavam acordados, conversando sobre o que eles poderiam fazer. Eles não conseguiam dormir”, conta.

“O caso de Renan está mais para regra do que para exceção”, afirma Alberto Martinez, professor do Departamento de Neurologia da Universidade de Campinas (Unicamp), à CNN. “A grande dificuldade [para o diagnóstico] se dá por ser uma doença ultrarrara. Eventualmente, os médicos que atendem não têm no radar a ataxia de Friedreich, por mais que seja a ataxia autossômica recessiva mais comum do mundo. É muito complexo e muito difícil de se deparar [com um caso como esse] na prática clínica”, explica.
Outro obstáculo citado pelo especialista é o próprio exame capaz de confirmar o diagnóstico da doença. Trata-se de um teste molecular que analisa o DNA do paciente para detectar a mutação no gene FXN e que não está no rol do Sistema Único de Saúde (SUS). “Um médico da unidade básica de saúde pode ter dificuldades para solicitar esse exame, e essa acaba sendo uma segunda barreira”, afirma Martinez.
Desafios no tratamento e esperança em novo medicamento
Outro desafio enfrentado por pacientes com ataxia de Friedreich. Até então, não há disponível para ser comercializado, no Brasil, um medicamento específico para o tratamento da doença.
Em abril, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o registro do medicamento Skyclarys (omaveloxolona), da Biogen, indicado para pacientes com idade igual ou superior a 16 anos, visando reduzir os sintomas neurológicos da doença. Apesar disso, ainda é necessária a definição do preço pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) para que o remédio esteja disponível para ser comercializado.
De acordo com Martinez, as opções de tratamento atualmente disponíveis incluem fisioterapia e fonoaudiologia. Também são recomendadas a psicoterapia e a terapia ocupacional. “É necessário esse arcabouço de tratamento que envolve múltiplos profissionais. No entanto, essa multidisciplinaridade é muito difícil de ser alcançada, principalmente na realidade do SUS”, afirma o especialista.
Enquanto aguarda a disponibilização do medicamento aprovado, Renan faz tratamento com uma diversidade de profissionais, incluindo modalidades como pilates e musculação para preservar sua massa muscular. O jovem também suplementa vitaminas, como magnésio, coenzima Q10 e vitamina B12.
“Com o tratamento que eu faço no psiquiatra e no pilates, eu consigo relaxar a minha mente e ficar tranquilo. Eu não esqueço [a doença], mas eu enxergo a vida de outro jeito”, afirma Renan. No entanto, sua esperança está no tratamento medicamentoso. “Ele não vai me curar, mas vai estabilizar a doença, podendo retroceder a como eu era dois anos atrás, e isso já é muito”, afirma.
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