Sou um cronista diletante. Há mais de dez anos escrevo crônicas semanais para a imprensa local, obrigação autoimposta que faço com prazer. Essa frequência obriga-me a exercitar o senso de observação, incentivar a curiosidade e informar-me diariamente na imprensa nacional, para não ficar sem material para os artigos.
Já não sei se é o exercício da observação que alimenta os textos ou se é a rotina de escrevê-los que estimula o interesse pelas notícias. De um jeito ou de outro, vale o ditado “o uso do cachimbo faz a boca torta”: a convivência longa com um hábito molda as pessoas.
A semana me despertou duas reflexões, que aqui citadas aparecem muito mais como surpresas de observador antigo (para não dizer velho) do que como censura aos que curtem esses modismos.
A primeira é a íntima relação há algum tempo firmada entre os animaizinhos de estimação (agora chamados pets) e os seus donos, ops, isto é ofensivo, os tutores. Mais recentemente foram criadas duas novas classes familiares: mãe de pet e pai de pet.
Ora, se há mães e país, por que não estender para irmãos de pet? Nesta hipótese, quando a mãe sair de casa, poderia dizer para o filho humano (acho que a diferenciação é necessária) “cuida do seu irmãozinho até a mamãe voltar”.
A humanização dos pets, a quem já se imputam sentimentos semelhantes aos dos seres racionais, inclui atribuir a eles emoções como saudade, depressão, solidão, tristeza, culpa, etc.
A interação entre pets e humanos está tão intensa que são realizados aniversários dos animais com festas temáticas, enterros com velórios e salas de luto nos hospitais veterinários onde eles morrem.
Outra observação: diante de tanta repercussão na imprensa, creio que a maioria já ouviu falar em bebê reborn, que são bonecas que imitam com perfeição uma criança recém-nascida tratadas como filhos. Já tem mãe de reborn, pai de reborn, parto reborn, batizado reborn, aniversário reborn e chá-revelação reborn.
Custam uma fortuna (chegam a 10 mil reais), mas a “criança” já sai da loja com teste do pezinho e com carteira de vacinação. É possível, durante a entrega, colocar nome no rebor e já receber uma “certidão de nascimento” semelhante a de uma criança normal.
Se em tão pouco tempo – 30 anos? – deram aos animais domésticos de estimação o status de membros da família, com direito a todos os paparicos que os filhos humanos têm e com um grau de humanização tão grande, não custa especular que, se seguir nessa toada, em pouco tempo atribuirão aos cães de companhia e às bonecas reborn a posse de almas semelhantes às dos humanos, supondo que elas existam.
Se isto acontecer, eles passarão a acompanhar seus pais ou tutores que frequentam igrejas, locais de oração ou encontros espirituais em suas devoções, rezas ou cultos.
Seriam essas observações fruto do anacronismo de um articulista ultrapassado ou a designação de mãe/pai de pet e a adoção de recém-nascido reborn (salvo casos de grande sofrimento psíquico), passam um pouco do limite que a sensatez recomenda?
Renato de Paiva Pereira é empresário e escritor.